Somente Ariano Suassuna, do alto dos seus 82 anos, para me fazer vencer uma preguiça macunaímico-invernal e escrever umas palavrinhas.
Na última sexta, fui assistir à montagem da Farsa da boa preguiça, no Sesc Vila Mariana. Cenário lindo, colorido, xilogravuras aqui e ali, a famigerada rede num canto (lugar favorito de Joaquim Simão, o protagonista), o teatro de mamulengos ao centro. Ótimo elenco, especialmente Vilma Melo, que apresenta uma impagável performance de cabra, no sentido estrito do termo. Espetáculo com poucos hiatos dramáticos – uma e outra fala, pouquíssimas de fato, parecem sobrar no espaço, sem ter quem as apanhe e devolva.
Mas o público a tudo responde, com gosto. O gosto de sua brasilidade. Redescoberta, ainda dessa vez, por Suassuna. Porque já não se trata de uma “nordestinidade” pura e simples, e sim do legado português trazido a nós nos estertores medievais, fundido com o de índios, negros e outros tantos pós-chegados. Que se mantém quase intacto nos temas costumeiros: a luta entre Deus e o diabo, o pobre e o rico, a esperteza e a prepotência, a humildade e a ganância e, por que não?, a preguiça criativa e o trabalho escravizante...
Porém, a preguiça do poeta/artista/herói brasileiro, já cantada e sempre criticada (o mais das vezes pelos próprios brasileiros), parece só se tornar qualidade quando renomeada de “ócio criativo”, de preferência por um autor estranja (absolutamente nada contra De Masi, per favore!).
Que será essa nossa resistência a valorizar a criatividade, tantas vezes confundida com um tal “jeitinho brasileiro” (isto sim, uma invenção nefasta)? Talvez porque a criatividade exija muito mais, extenue, angustie muito mais do que o trabalho do autômato? Porque ter sucesso como tarefeiro seja mais fácil, menos sujeito a subjetividades? Tudo pode ser.
De todo jeito, bom mesmo é ver uma plateia inteira se desarmar de possíveis preconceitos, rir à larga, tornar-se toda ela um povo – o brasileiro: criativo, alegre, multicultural, multicolor, multirregional – por um momento. Esse espetáculo já contentaria mestre Suassuna.
5 de julho de 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário