domingo, 27 de dezembro de 2009

Qual é a do patinho


Um dia desses, em meio a um jantar com feijão tropeiro, quibebe e muitas risadas, um amigo meu, bonitíssimo, falando acerca de leituras feitas na infância, disse que sua história predileta era a do patinho feio. Ele, que hoje é uma beldade, identificava-se com a criaturinha desengonçada, que de pato não tinha nada e que ao final descobria ser um lindo cisne, para alegria de todos os que gostam de um final feliz.
Mesmo tendo dificuldade em associar meu amigo ao feioso patinho, entendo o que ele quer dizer. Quem já não sofreu na pele algum tipo de discriminação? Quem já não quis, e tentou em vão, encontrar sua turma? Ser aceito pelo que é? (Quase posso ouvir algumas vozinhas dizendo: comigo nunca aconteceu! Ignorem-nas: são vozes isoladas.)
Há quem diga que o primeiro passo para ser aceito pelos outros é aceitar a si mesmo como é, gostar de si, ser capaz de ficar sozinho consigo e gostar da própria companhia. Mas vá dizer isso a um adolescente cheio de espinhas e complexos. Ou para uma dona de casa infeliz, que vê sua juventude se esvair, a idade e as gorduras localizadas chegarem. Tudo isso num contexto em que mais importante que ser é ter ou, pelo menos, parecer que tem. O antídoto é o adolescente gastar o que não tem para parecer descolado, com roupas, sapatos e celular da moda. A dona de casa pode participar de um programa para transformar-se em uma outra mulher, como o inacreditável Swan, que não por acaso alude à história do patinho feio, ou versões mais modestas do programa, ligadas a outra história, a da Cinderela. Seja como for, o que essas pessoas costumam esquecer é que amor-próprio é uma conquista demorada e que não está exatamente ligado à aparência. Muita gente consegue uma imagem aceitável para a sociedade e continua infeliz, necessitando desesperadamente da aprovação alheia, sem a qual parece impossível viver. Pior ainda quando, na negação de si, deseja ser outra pessoa.
Que precisamos dos outros, creio que disso não há dúvida. Não é só bíblico: é humano. O outro é nosso espelho, por mais cruel que seja a imagem devolvida. Clarice Lispector, em A paixão segundo G.H. e em outros momentos de sua literatura, fala da grandeza de precisar. Mas precisar não é necessariamente depender. Já pensaram que somos nós que mostramos ao outro por que gostar de nós, não o contrário? Não podemos esperar a vida inteira que alguém goste de nós para então descobrirmos que temos algum valor. Todos temos.
Com relação à nossa necessidade do outro, também é preciso pensar que não é possível agradar a todo mundo, até porque seria necessário uniformizar o gostar – o que às vezes parece possível quando a mídia bombardeia padrões de beleza e de comportamento sobre nós. Mas a beleza humana está justamente na sua diversidade, física e psicológica. Que sorte a nossa haver tantos tipos humanos e tantos nichos relacionais! E também as afinidades eletivas – um oásis no meio de tanta sociabilidade forçada e muitas vezes desagradável a que estamos sujeitos no dia-a-dia. Que bom haver em nossa vida espaço para a gentileza, o respeito e as pessoas com quem escolhemos conviver, rir, apreciar um bom feijão tropeiro!
E, ainda por cima, de vez em quando, a gente desabrocha, vira avis rara e ouve que éramos tudo o que alguém queria encontrar. Somos reconhecidos. Temos, de repente, uma importância insuspeitada. Mas, para que isso aconteça, é bom termos a “alma pronta” (de novo Clarice). Porque, com ela, é como se, apesar da surpresa que o reconhecimento provoca, já estivéssemos preparados para isso. Do contrário, talvez não entendêssemos nem atendêssemos ao “chamado”.
É o que acontece com o patinho feio e outros esquisitos/deslocados das histórias que agradam quase toda gente. Depois de muita rejeição e sofrimento, alguém lhe lança um olhar redentor e ele assume seu verdadeiro lugar. “Torna-se” belo, embora continue sendo o que sempre foi. Não precisou ficar diferente, não passou por nenhuma cirurgia plástica; apenas desabrochou e encontrou sua turma. E, bastante naturalmente, partiu com os outros, singrando as águas: foi ganhar o mundo.

11 de março de 2008

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