sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Inferno e descanso

Embora eu ande numa fase mais umbilical, não posso deixar de reconhecer como tenho sido coberta de carinho por alguns amigos em meio a uma torrente de mudanças, por isso mesmo difícil. Do mesmo modo que o outro pode ser um paraíso que se torna um inferno, ou que um ou outro venha nos puxar o tapete, há quem com seus cuidados traga o alento, o repouso necessário. Ou seja, embora eu saiba que preciso cada vez mais me importar menos com o que é do outro, sei também que não conseguiria viver sem me relacionar minimamente com os outros. Mesmo que algumas decepções façam parte do pacote.
Não sei o quanto o outro é o espelho de mim mesma, como afirmava Lacan. Que é parte desse espelho, não tenho dúvida. Mas é sempre surpreendente perceber, nesse processo de acolhimento que tenho vivido, como os outros me veem.
A Simone, que já havia me mandado o texto lindo sobre o amor e outros bichos, andou escrevendo, sempre lindamente, sobre como me percebe, e eu fiquei realmente espantada. Suave. Serena. Equilibrada. De outra amiga, Cláudia, ouvi que sou sistemática. De um amigo de décadas, Carlos, ouvi que sou corajosa.
Eu acho que sou maluca e um pouco inconsequente, choro por tudo, não sou organizada, quero fazer tudo ao mesmo tempo (alguma megalomania), vou no vai da valsa. Se pareço serena, pouco passional quando escrevo, é porque, à semelhança das vacas, sou um ser ruminante. Então, quando escrevo, muito já foi deglutido, elaborado. Talvez falte, como indica a terapia, a experienciação. Ou seja, botar a boca no trombone, me atrever mais, mesmo normalmente sendo alguém que dá as costas àquilo que "já não deu". Queria ser mais fogo que água. Talvez seja cultural - o meu lado nipônico me contém na hora em que devia explodir. Talvez seja trauma familiar. Talvez me acometa às vezes um cansaço de existir, como diria Pessoa.
O fato é que é difícil não se contagiar do outro, para bem e para mal. É difícil o sangue não errar de veia e se perder. Por ora, tenho aproveitado o momento bom do outro-que-traz-descanso. Porque sei que logo virão outros de todo tipo, inclusive trazendo uma escadinha pro inferno, a primeira coisa que tenho feito ao acordar é ME olhar no espelho, para não esquecer quem sou, que o outro é bem-vindo, mas que a casa/vida/alma é minha...

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A moda da busca

Vivemos um tempo de enormes contradições. OK, é um chavão, todas as épocas têm as suas, mas ESTA em especial (porque é a que vivo, porque é a que observo num instante mais introspectivo da vida? ninguém saberá jamais!) me espanta de verdade. As pessoas parecem mais loucas, agressivas, dizem e fazem o que querem, pouco importando o outro. Olhou feio, alguém pode jogar gasolina e atear fogo em você. Por outro lado, está na moda a busca da felicidade. Talvez quem busque a felicidade esteja principalmente fugindo dos loucos agressivos que pululam aos montes, inclusive os que habitam potencialmente em cada um.
Só para ilustrar: um professor de ética foi aplaudido de pé no Jô ao falar dessa busca; ela foi tema de Globo Repórter; a nova novela das sete, que segue a fórmula de Lost, também trata do tema. É matéria de revista gente mudando de vida, de rico financista ou advogado ou empresário para morador de uma casa no campo.
Eu, pessoalmente, acho o tema apropriado e fascinante. O tipo de coisa que não deveria nunca sair de moda. Sempre me vi seguindo essa "tendência", mesmo de uma forma destrambelhada. Fui percebendo que o que importava era a bagagem que eu levava comigo - nunca importaria o lugar, se eu estivesse bem comigo mesma. E a entrevista do Clóvis de Barros Filho, o tal professor que foi ao Jô, veio temperar mais essa percepção: mesmo sem chegar a nenhuma conclusão, pois não existe mesmo, ele disse que a felicidade está nos momentos que gostaríamos que não acabassem nunca. Ele deu o próprio exemplo, de como se sente pleno na sala de aula.
Fiquei pensando nas coisas que me trazem plenitude e nos momentos que não gostaria que tivessem fim. Para mim não são sempre a mesma coisa - há aquilo que de alguma forma pode se repetir (normalmente que depende só de mim, talvez como a sensação na sala de aula de Clóvis de Barros) e me faz feliz, há os instantes incontroláveis - e felizes. Para mim (e eu concordo com o professor de que para cada um é de um jeito, um único jeito, intransferível), a mágica está em ficar com os sentidos alertas e fruir cada um desses diferentes momentos, todos plenos da graça que é viver. Talvez a busca chegue ao fim exatamente quando se decida viver.

Poetientendendo

Sempre fui mais da prosa que da poesia, e acho que sei por quê: meu poder de síntese é parco, sou mais das longas análises que dos silêncios ensurdecedores nas entrelinhas. Mas fico emudecida diante de um bom poema, de um verso carregado de sentidos.
Esses dias me voltou como um bumerangue a "Canção excêntrica" de Cecília Meireles. Publiquei no FB. E aí fiquei com os versos pendurados na mente, nos lábios, nas mãos, especialmente esses:  

"Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida."


Penso que é porque eles mostram a dificuldade do desapego, do fazer o que deve ser feito, de simplesmente seguir em frente. Isso porque me pego negaceando em meus passos, hesitando aqui e ali. E mesmo sabendo que só há jeito de seguir, prosseguir, ir, ainda caminho como quem borda o ponto-atrás - avançando um ponto-passo, retrocedendo meio ponto, meio passo. Ainda que isso seja só em pensamento, em um ligeiro temor diante do inevitável futuro. 
Mas sigo - abro o abraço, me despeço do ontem, retomo os passos e sigo.