sexta-feira, 3 de julho de 2015

Nós e as palavras

Sempre gostei de escrever. Tanto que acabei virando professora de redação e depois editora. Ensinei muita gente a escrever corretamente. Muitos alunos foram além, deixaram aflorar seu talento. Foi e é bonito de ver.
Mas talvez o que eu saiba fazer melhor é ler. Ler através das palavras alheias. Ver o que se oculta atrás delas, o que pretende o autor, o que mostra, o que esconde.
Outro dia, recebi um e-mail cheio de despeito e rancor. A pessoa escreve "bem", corretamente. O e-mail era longo, pretendia contar uma história e, com ela, provocar discórdia. Mas havia tantos, tantos furos. Informações contraditórias. Coisas que não me espantaram em nada. E uma intenção que se despedaçava do início ao fim.
Tenho certeza de que foi escrito lentamente, não aos tropeções. Mas o espírito de quem escreveu tropeçava, sobrenadava em maus sentimentos. Refleti sobre a pretensão do texto, que era a de me atingir. Não cheguei a ter pena, só uma consternação bem longínqua por quem se presta a esse tipo de papel, provavelmente por não ter sonhos, por levar uma vida entediante/medíocre, por ser infeliz e talvez nem saber disso. Quanta coisa dizemos sobre nós ao escrever!
Lembrei-me em seguida de que a história que se contava não pertencia a mim, embora o texto quisesse me fazer acreditar nisso, criando trechos de falsa intimidade. E então vi a mim mesma em um outro patamar, bem distante - dentro da minha própria vida, tão cheia de projetos e sonhos, iluminada de sol, cercada de pessoas que me querem bem.
Então, cantando, criei coisas bonitas e embelezei ainda mais meu dia e meu caminho. Desconfio que não era isso que se esperava - e isso me importa? Acho que nem preciso responder.