sexta-feira, 7 de julho de 2023

Eros e Tânatos

Tem uma música linda do Paulinho Moska, "A seta e o alvo", que fala de duas pessoas, um casal, que têm visões opostas da vida - "eu falo de amor à vida/ você, de medo da morte/ te chamo pra festa/ mas você só quer atingir sua meta". Não poderia mesmo dar certo, alguém pode dizer - e eu acrescentaria que não pelo que cada um representa, mas pelo que faz com o que traz para o relacionamento. 
Na música mencionada, um é Eros, o outro é Tânatos, desejo de vida e pulsão de morte. Segundo a psicanálise, é preciso equilibrar essas duas forças que habitam em nós. Tem gente que é mais Eros, tem quem seja mais Tânatos. Tendo a crer que o excesso de um ou outro não é bom, mas certamente a pulsão de morte demasiada quando se está vivo é um sintoma de depressão, ou raiva represada. Outro dia, falei do desejo de morte de Alain Delon, e nem tinha feito essa associação com o conceito freudiano. 
Assim como precisamos equilibrar essas forças dentro de nós, também não podemos deixar que nosso desejo de vida seja apequenado pela pulsão de morte alheia. Imagino que seja a regra em relacionamentos tóxicos, abusivos em qualquer grau, a alegria dar lugar ao medo. No mundo patriarcal, aliás, é o Eros feminino que está sempre sob vigilância. 
Fazendo uma conversa entre Freud e Jung, acredito que haja pontos em comum entre Eros e Puer, Tânatos e Senex. Em ambas as abordagens, equilíbrio é tudo - no caso junguiano, é a afirmação do Self que vai permitir equilibrar as forças, ou todas as vozes, que habitam em nós. Na nossa vidinha comum, é nos lembrar de quem somos, do que é importante para nós, para nos afastarmos da morte em vida, da tristeza sem sentido. Principalmente, lembrar que o caminho para longe das trevas é individual, e que passar pelo pântano é inevitável, mas nele permanecer é uma escolha - consciente ou não, mas uma escolha. Não há amor que salve quem não deseja ser salvo (no final, é a vontade de se salvar que salva, não o amor de outrem). Como na música, o alvo não nos espera. Como no poema, o caminho se faz ao andar. A alegria e o amor, se praticam. 

segunda-feira, 3 de abril de 2023

O domínio da dor ou a morte anunciada de Alain Delon

Esse título é propositalmente ambíguo. Você domina sua dor ou ela te domina? 
Quando pensei em escrever sobre isso, Alain Delon nem tinha anunciado seu suicídio assistido porque não via mais sentido na vida. Ele admitiu que não conseguia lidar com as dores da velhice, o que não deve ter sido fácil para um homem tão assumidamente vaidoso como ele sempre foi. Foi no início do ano passado que ele fez o anúncio, que causou espécie no mundo todo. Ainda não levou a cabo a promessa, mas com certeza fez muita gente refletir sobre diversas questões. 
É importante eu dizer, antes de mais nada, que acho que cada um tem direito de fazer o que quiser de sua vida, desde que não prejudique a dos demais. Mas, além da não aceitação da velhice em si, me chamou a atenção a dor imensa que essa provoca em Delon, física, psíquica e espiritualmente. Realmente, envelhecer não é bolinho. Causa dores mesmo, tudo range, tudo cai, tudo afina. Poderia dizer que a velhice é das poucas coisas justas, porque acomete a todos, mas não é, porque não acomete a todos do mesmo jeito. Alain Delon tem mais condições de envelhecer com dignidade que a maior parte da população mundial. Eu sei, estou cada vez mais chata (provável sinal da velhice, a rabugice), mas não deixo de pensar na injustiça all the time, sorry.
Mas o fato, para além da injustiça, da dor física provocada pelo envelhecimento, da dor na alma provocada pelo etarismo (que atinge, sim, as pessoas mais vaidosas, presas a uma ideia de juventude eterna, à não aceitação da passagem do tempo), da minha rabugice, é que muitas pessoas, talvez a maioria, se deixem dominar pela dor. Dominar a dor, pelo contrário, é um aprendizado longo, talvez um verdadeiro aprendizado zen.
Nunca me esqueço de uma passagem do documentário belíssimo Eu maior, de Fernando Schultz e Paulo Schultz, em que a monja Cohen fala que a dor é um sentimento passageiro, nós é que nos agarramos à lembrança dela, e que é preciso deixar passar essa lembrança, esse pensamento, como se faz na prática da meditação. É fácil falar porque meditar de fato exige um treino imenso, talvez pouco atraente porque não tem resultados tão visíveis para os outros como um treino em academia, o treinamento de um idioma, a prática culinária etc. Meditar é só com a gente mesmo, e por isso deveria ser tão importante. 
Dominar a dor é diferente, claro, de suportar a dor, como tantas mulheres suportam todos os dias, físicas e psicológicas. Nem sei se é completamente possível para nós, meros mortais. Porém, não se deixar dominar por ela já é um grande avanço - e nisso incluo paranoias, ciúmes, manias, o hábito de reclamar, o deixar-se enredar em pensamentos que não nos deixam avançar. Não sei se seria o suficiente para Alain Delon sofrer menos, talvez não. Mas acho que encarar a própria dor sem sucumbir cria o delicado limite entre a morte da alma e a poesia da vida - na forma, inclusive, de arte. 

terça-feira, 3 de maio de 2022

No me compares

Daí que, nas aulas de espanhol, volta e meia Raquel traz umas canciones, e outro dia foi "Corazón partió", de Alejandro Sanz. Fui buscá-la pra praticar a cantoria e achei uma outra, em dueto com Veveta, "Não me compares" (a versão é do Filipe Catto). Tem a versão de Sanz só em espanhol, claro, mas a ideia é a mesma: a mania que algumas pessoas têm de comparar seus diferentes parceiros. Alguém pode dizer que comparações são inevitáveis, mas acho que há muita diferença entre comparar coisas (que, para serem comparadas, devem ser equivalentes) e comparar pessoas (que são sempre únicas). Relacionamentos também são incomparáveis, tão diferente é sua natureza. Comparações entre pessoas de diversos relacionamentos, então, são conversas inúteis, quase sempre uma forma de mostrar insatisfação e que acaba por machucar o outro, que não pode (nem deve, e talvez nem queira) se transformar em outra pessoa. Até posso querer que o outro aja de forma diferente, mas não que ele se torne outro alguém. 
Como mostra a música de Alejandro Sanz, a insistência em comparar só pode trazer frustração. De ambos os lados. 

Ahora que crujen las patas de la mecedora
Y hay nieve en el televisor
Ahora que llueve en la sala y se apagan
Las velas de un cielo que me iluminó
Ahora que corren los lentos derramando trova
Y el mundo; "ring, ring", despertó
Ahora que truena un silencio feroz
Ahora nos entra la tos
Ahora que hallamos el tiempo podemos mirarnos detrás del rencor
Ahora te enseño de dónde vengo
Y las piezas rotas del motor
Ahora que encuentro mi puerto, ahora me encuentro tu duda feroz
Ahora te enseño de dónde vengo
Y de qué tengo hecho el corazón
Vengo del aire
Que te secaba a ti la piel, mi amor
Yo soy la calle
Donde te lo encontraste a él
No me compares
Bajé a la tierra en un pincel por ti
Imperdonable
Que yo no me parezco a él
Ni a él, ni a nadie
Ahora que saltan los gatos buscando las sobras
Maúllas la triste canción
Ahora que tú te has queda'o sin palabras
Comparas, comparas, con tanta pasión
Ahora podemos mirarnos sin miedo al reflejo en el retrovisor
Ahora te enseño de dónde vengo
Y las heridas que me dejó el amor
Ahora no quiero aspavientos tan sólo una charla tranquila entre nos
Si quieres te cuento porqué te quiero
Y si quieres cuento porqué no
Vengo del aire
Que te secaba a ti la piel, mi amor
Soy de la calle
Donde te lo encontraste a él
No me compares
Bajé a la tierra en un pincel por ti
Imperdonable
Que yo no me parezco a él
Ni a él, ni a nadie

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

No pasarán

Outro dia, assisti ao lindíssimo Madres paralelas, de Pedrito Almodóvar - ou AMORdóvar, como bem o chamou uma antiga amiga de faculdade. Foi aquele gatilho do bem pra eu me lembrar como o tema da Guerra Civil Espanhola - e, na sua esteira, a luta por justiça e por direitos humanos - sempre me foi caro. Aliás, essa mesma amiga da faculdade se recordou de minhas pesquisas sobre Guerra Civil quando frequentávamos as aulas do professor Sebe, especialista no assunto. Tudo havia começado no colégio, assistindo aos filmes de Saura, lendo García Lorca, conhecendo Guernica; depois tive contato com Hemingway e, já na faculdade, com os volumes de Hugh Thomas sobre a guerra na Espanha. As Brigadas Internacionais. La Pasionaria Dolores Ibárruri. No pasarán, conclamava a revolucionária basca. 
Infelizmente, eles passaram e mantiveram uma ditadura de quarenta anos na Espanha. Como também em Portugal, sob Salazar. No Brasil, foram quase trinta anos (sem contar a de Vargas). Quase vinte no Chile. Tantos anos em tantos países, incontáveis anos roubados à liberdade do cidadão comum. Quase nunca das elites econômicas, que sempre ganham com o desastre e o horror. Como acontece hoje, no governo bolsonarista, em que, mesmo com a intensificação da iniquidade social, os ricos repetem sua ladainha desprovida de sentido de temor ao comunismo que nunca houve no país, seguida sempre do irritantemente imbecil "mas e o PT?". Porque, para eles, pouco importam os milhões voltando à miséria, os desempregados, a população de rua, os feminicídios, o massacre da população pobre e negra. 
Eu tive certeza desse completo descaso pelo outro quando me vi cercada de simpatizantes do Bozo, pró-fascistas que clamavam contra uma possível eleição de Lula - porque, no governo do PT, "nosso dinheiro era todo mandado pra fora". Pra fora onde, meu pai? Pra Venezuela? Dali a pouco, teve um que quis colocar um áudio de WhatsApp recebido sabe exu de onde pra gente "ver que". Ai, senhor Jesus, apaga a luz. Por sorte, até os outros simpatizantes do Evil protestaram porque preferiam ouvir música ao áudio de origens controversas. Só sei que, ao fim da sessão de disparates, me sobrou uma sensação ruim e um pensamento: sou obrigada a conviver com gente assim? Pessoas que se informam pelo WhatsApp? Que estão cagando pro próximo, que só se importam com seus ganhos, seu conforto? Que acreditam que há orgias nas universidades públicas, que agora há uma semvergonhice das populações antes esmagadas? É um samaritanismo que não possuo.
Só para aumentar ainda mais o tamanho do disparate, assisti no YouTube a uma récita de um casal de moradores de rua - não consegui descobrir quem são, de onde são, quem produziu o vídeo. Só sei que foi a declamação mais pungente e bela que já vi de Drummond. E eles perguntam, no máximo direito de perguntar: você marcha, José? José, para onde? A mim só resta desejar que, como José, eles sejam duros, que não morram, que não deixem que seus opressores passem mais uma vez. Quero estar junto, cerrando fileiras.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Sororidade e nossas lutas diárias

Quando fui trabalhar na TV Cultura, tive de cara um impasse: a pessoa que exercia a mesma função que eu, com quem deveria dividir algumas informações e partilhar o mesmo modus operandi, antipatizou comigo. Bastante, eu diria. Ou, pelo menos, assim pareceu. Depois percebi que duas senhoras, ex-professoras, que lá trabalhavam como consultoras e a tratavam como mascote, falavam mal de mim para ela - e não parecia que falavam: eu as ouvia falar, na minha cara. Ouvi-as comentando, por exemplo, que eu nem bem havia entrado para a equipe e já ia viajar - algo que tinha combinado com meu chefe assim que fui selecionada, porque tinha um compromisso em outro estado, com passagens compradas e tudo. As duas me tratavam com desdém, uma era irônica, a outra sequer respondia ao meu cumprimento. Nunca soube o porquê. 
A minha relação com minha colega, porém, mudou quando, no dia do seu aniversário, eu organizei uma festa surpresa, com vaquinha para o bolo e que tais. Ela foi de fato surpreendida, ficou roxa e emocionada, e daí para adiante nos tornamos muito amigas, e o somos até hoje, apesar da distância. As duas professoras não gostaram nada. Às vezes, havia tentativas de colocar a ex-mascote contra mim em questões comezinhas, mas não deu certo. 
Por que conto essa história aparentemente bobinha? Porque sempre me incomoda que as mulheres sejam desunidas por ninharias, por competições pífias, por juízos apriorísticos. Hoje, apesar do peso do termo sororidade, há tantas questões menores pululando no cotidiano que tudo é motivo para desentendimento. Não falo das questões políticas e visões de mundo, mas de questiúnculas mesmo. Outro dia, assisti a um debate acalorado nas redes sobre ser mãe de crianças e mãe de pets porque uma outra amiga disse que não tinha paciência com comparações entre o sofrimento de umas e outras. Acho que se fosse ao vivo as mães todas teriam saído no tapa. 
Enquanto brigamos entre nós, enquanto chamamos outras de "vagabundas", achamos ridículo que se vistam assim ou assado, que façam procedimentos estéticos ou que continuem gordas e "desleixadas", que queiram ou não ser mães, num julgamento sem fim das vidas alheias, milhares de mulheres diariamente são estupradas, espancadas, mortas, desrespeitadas em seu trabalho e em sua intimidade, por sua cor, por sua orientação sexual, muitas vezes só por serem mulheres. Enquanto brigamos, a sociedade classista, patriarcal, colonial se mantém soberana, sustentada por nosso trabalho e fazendo uso de nossos corpos em todos os sentidos. Enquanto brigamos, não somos sujeito, somente objeto; não formamos um corpo sólido que possa resistir e lutar, mas apenas milhões de partículas à deriva. O julgamento das duas professoras não agregou nada à nossa luta diária, não passou de fuxico desnecessário, pura futilidade. 
Por outro lado, e apesar de tudo, a forma de as mulheres verem a si mesmas tem mudado, que bom. E o modo retrógrado de olhar a si e a outras pode ficar para trás, ou muito reduzido. Assim, podemos nos solidarizar com a luta de alguém que nem conhecemos, perceber a importância de cada luta individual para as conquistas de todas. Quando soube, por exemplo, que uma querida da ECDE, de quem já comprei peças lindas e que é tão atuante na defesa dos direitos das mulheres, está enfrentando um câncer de mama, senti como se fosse uma irmã a enfrentar o problema - tenho acompanhado sua luta e sempre envio meus melhores pensamentos para ela, mesmo de tão longe e sem conhecê-la pessoalmente. Também tive a surpresa de saber que uma amiga amada teve de tirar a mama pelo mesmo motivo - foi um susto pra mim, mas ela me contou com aquela serenidade que a caracteriza tão bem, e ainda me estimulou a fazer logo meus exames. E eu fui, um ano e meio depois, refazer exames médicos, conferir nódulos aqui e ali. Eles continuam lá, mas sob controle. 
Cada vez mais me espanto com a falta de apoio de uma mulher a outra. Eu, que tive, sim, meus momentos de julgamento, mas tive o privilégio de me ligar do absurdo disso mais rapidamente que as duas senhoras de que falei. Não as vejo há muito tempo - quem sabe terão conseguido sair dessa também? Tomara que sim, porque em nossa época só cabem as questões fundamentais, se quisermos evitar a hecatombe completa. 

terça-feira, 25 de maio de 2021

Oikos

Já faz um tempo que temos procurado ser mais ecológicos, evitando o desperdício de água e comida e o consumo excessivo.
Não é fácil. Tento criar um cardápio semanal para aproveitar ao máximo legumes e verduras e preparo em maior quantidade, para congelar, coisas básicas como arroz e leguminosas. Fiz cursos de aproveitamento e de congelamento de alimentos. Comprei a lava-louças que promete gastar menos água e a geladeira que consome menos energia. Consegui um desodorante em pedra que deve durar uns três anos, além de não ter aqueles químicos todos que podem ou não provocar câncer de mama. Tentei (mas não consegui) usar coletor menstrual para evitar os absorventes que demoram décadas para se desintegrar. Vamos, ou íamos, à praia de bike.
O que me frustra nessa tentativa de ser ecológico é como é algo ainda caro para a maioria, a menos que você consiga produzir muitas coisas em casa. Roupas, móveis, utensílios, alimentos. Além disso, mesmo buscando, por exemplo, uma alimentação com menos produtos processados, ingerimos muito veneno e hormônios. Continuamos à mercê dos grandes conglomerados, que ditam as regras do mercado e nos empurram uma comida pouco saudável, pouco ecológica e pouco democrática, já que muitas vezes está associada à exploração de trabalhadores no campo e na indústria, além da destruição dos espaços naturais. 
Pagamos cada vez mais caro pela energia elétrica, e o uso de painéis solares, num país tropical como o nosso, ainda é um grande luxo. A maioria dos produtos de higiene e beleza ainda está ligada a experimentos com animais, substâncias tóxicas e práticas pouco sustentáveis - embora já venhamos assistindo a uma pequena revolução nesse sentido.
Há também, por trás do discurso que estimula cada um a fazer sua parte, o interesse de governos e empresas de tirarem sua responsabilidade da reta. E é o que nos lança no desespero de ainda fazermos tão pouco para conter a catástrofe climática que se desenha diante dos nossos olhos a cada dia. Claro que há também os que afirmem que a natureza sobreviverá a nós, e se recuperará de alguma forma quando não estivermos mais aqui, mortos talvez pelo calor ou pelo frio ou por falta de comida ou de água. Também há cientistas alertando para o fato de que nem tudo que é vendido como natural é bom e que não basta o selo do produto orgânico para que algo seja sustentável.
De qualquer modo, me sinto bem de produzir menos lixo, de os restos de verduras e frutas virarem composto para as árvores do quintal, de resistir a liquidações das lojas favoritas, de ser capaz e ter condições financeiras de produzir nossas refeições. Talvez deixe de comer carne em algum momento. Ainda acredito que a ética - antes de tudo, e cada vez mais, um valor pessoal - é a melhor guia a reger nossa relação com essa grande casa que é o planeta. 

sábado, 9 de janeiro de 2021

Consumir/comer x apreciar/respeitar

Hoje li um texto ótimo da Djamila Ribeiro na Folha, sobre homens que consomem mulheres, mas não as apreciam. Embora não curta as tretas da Djamila com outras importantes figuras dos movimentos anti-racistas, achei seu texto de uma precisão ímpar. 
Coincidência ou não, tem circulado uma postagem que fala de homens que comem mulheres, mas não respeitam, não leem (e Djamila também menciona isso), não admiram mulheres, porque só amam outros homens. Parece um sinal dos tempos, essa consciência feminina da misoginia "controlada", pragmática. Talvez sempre tenha sido assim, os gregos e romanos que o digam. 
Se unirmos o texto de Djamila e o post pop, podemos concluir que quem come sem apreciar só engole. Não pode ser de outro jeito se a companhia que interessa mesmo é outra, não a que ali está. Isso fica tão evidente quando observamos grupos de homens e mulheres conversando - há os homens que se interessam por tudo que é dito por todas as pessoas presentes, há aqueles que só conversam com outros homens, que só ouvem o que os homens dizem, que só veem os homens. 
Estou tão acostumada a conversar de igual pra igual nos grupos dos quais faço parte que sempre me surpreendo com as posturas medievais de silenciamento, negação e invisibilização. Cheguei a testemunhar, não faz muito tempo, um amigo não tão próximo servindo água aos homens presentes, mas não a mim. Aliás, ele nem me olhou, como se eu não estivesse ali, sentada diante dele. "Brotherhood!", eu disse apenas, e ele ficou momentaneamente sem graça. Trata-se de uma falta de educação mais abrangente - cívica, cultural, sexual, humanista. Triste, sempre, como toda falta de educação.