terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

No pasarán

Outro dia, assisti ao lindíssimo Madres paralelas, de Pedrito Almodóvar - ou AMORdóvar, como bem o chamou uma antiga amiga de faculdade. Foi aquele gatilho do bem pra eu me lembrar como o tema da Guerra Civil Espanhola - e, na sua esteira, a luta por justiça e por direitos humanos - sempre me foi caro. Aliás, essa mesma amiga da faculdade se recordou de minhas pesquisas sobre Guerra Civil quando frequentávamos as aulas do professor Sebe, especialista no assunto. Tudo havia começado no colégio, assistindo aos filmes de Saura, lendo García Lorca, conhecendo Guernica; depois tive contato com Hemingway e, já na faculdade, com os volumes de Hugh Thomas sobre a guerra na Espanha. As Brigadas Internacionais. La Pasionaria Dolores Ibárruri. No pasarán, conclamava a revolucionária basca. 
Infelizmente, eles passaram e mantiveram uma ditadura de quarenta anos na Espanha. Como também em Portugal, sob Salazar. No Brasil, foram quase trinta anos (sem contar a de Vargas). Quase vinte no Chile. Tantos anos em tantos países, incontáveis anos roubados à liberdade do cidadão comum. Quase nunca das elites econômicas, que sempre ganham com o desastre e o horror. Como acontece hoje, no governo bolsonarista, em que, mesmo com a intensificação da iniquidade social, os ricos repetem sua ladainha desprovida de sentido de temor ao comunismo que nunca houve no país, seguida sempre do irritantemente imbecil "mas e o PT?". Porque, para eles, pouco importam os milhões voltando à miséria, os desempregados, a população de rua, os feminicídios, o massacre da população pobre e negra. 
Eu tive certeza desse completo descaso pelo outro quando me vi cercada de simpatizantes do Bozo, pró-fascistas que clamavam contra uma possível eleição de Lula - porque, no governo do PT, "nosso dinheiro era todo mandado pra fora". Pra fora onde, meu pai? Pra Venezuela? Dali a pouco, teve um que quis colocar um áudio de WhatsApp recebido sabe exu de onde pra gente "ver que". Ai, senhor Jesus, apaga a luz. Por sorte, até os outros simpatizantes do Evil protestaram porque preferiam ouvir música ao áudio de origens controversas. Só sei que, ao fim da sessão de disparates, me sobrou uma sensação ruim e um pensamento: sou obrigada a conviver com gente assim? Pessoas que se informam pelo WhatsApp? Que estão cagando pro próximo, que só se importam com seus ganhos, seu conforto? Que acreditam que há orgias nas universidades públicas, que agora há uma semvergonhice das populações antes esmagadas? É um samaritanismo que não possuo.
Só para aumentar ainda mais o tamanho do disparate, assisti no YouTube a uma récita de um casal de moradores de rua - não consegui descobrir quem são, de onde são, quem produziu o vídeo. Só sei que foi a declamação mais pungente e bela que já vi de Drummond. E eles perguntam, no máximo direito de perguntar: você marcha, José? José, para onde? A mim só resta desejar que, como José, eles sejam duros, que não morram, que não deixem que seus opressores passem mais uma vez. Quero estar junto, cerrando fileiras.