domingo, 27 de setembro de 2020

Bolhas, bolhas, bolhas

Já faz algum tempo que se fala nas bolhas criadas pelas redes sociais, de como só nos relacionamos com nossos iguais, de como só lemos sobre o que nos interessa. Isso só aumentou ao longo do tempo; especialmente com a eleição do Biroliro, mas estava lá desde o golpe contra Dilma Roussef, e desde então temos visto o acirramento das posturas ultraconservadoras cindindo as relações sociais no país (pelo menos, podemos reconhecer claramente os comportamentos fascistas, já não mais ocultos sob o forçoso politicamente correto e a suposta democracia racial).
Embora seja muito mais confortável falar apenas com quem concorda com a gente, até porque é impossível dialogar com um bolsominion, fico pensando o que isso traz para as relações sociais no longo prazo (ou médio, ou até mesmo curto, já que tudo é tão rápido hoje). A possibilidade de troca com o diferente vai se reduzindo mais e mais. Quando os iguais discordam é normalmente por ninharias, como vejo nas redes sociais, nada de fato relevante, nada que valha para melhorar o mundo. 
Imagino que, quanto mais tempo passarmos em nossas bolhas, menos tolerância teremos com as bolhas alheias (algumas merecidamente). Vamos nos evitar cada vez mais, estranhar cada vez mais as diferenças. A vida deve passar a ser um grande condomínio fechado, onde só entram os convidados, e todo o restante passa a ser visto como invasor. 
Num cenário assim, pouco espaço resta para a solidariedade e a alteridade. Difícil imaginar dividir espaços físicos com os divergentes - e parece que até a pandemia veio colaborar com essa demarcação de limites. Só nos "aglomeramos" com poucos, os mais próximos, os mais confiáveis. Como no próprio conceito de "nação", tudo o que está fora disso, desses limites, não merece nossa credibilidade. 
Difícil arriscar muitos prognósticos a partir desse cenário, mas as perspectivas por ora não são das mais animadoras. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Ainda o lugar de fala

Postei esses dias uma matéria ótima sobre o fato de descendentes de orientais não tolerarem mais piadas nem estereótipos associados a eles. Interessante como sempre aparece alguém para dizer que tudo é exagero, que isso acirra o ódio, enseja um debate e um confronto desnecessários, que nunca viu nada disso, que acha tudo tão natural blábláblá. Meu pai celeste, que preguiça! Mal respondi, mas uma amiga, mestiça como eu, resolveu responder, com todos os argumentos de quem não só sabe do que está falando mas também de quem sabe argumentar de fato. Uma hora ela cansou, já que o oponente, obviamente, não dava conta sequer de sustentar a discussão. Aí entrou outra pessoa para dizer que também nunca viu nada disso, blábláblá. Gente!
O mais louco dessa história é que as pessoas que criticavam o artigo e o suposto "preconceito" dos orientais entrevistados não são orientais. Contaram de suas experiências interétnicas superpositivas, como pessoas (quase) brancas, dizendo não entender tanto amargor e ressentimento, inclusive insistindo na inocuidade das piadas racistas quando ditas por "amigos", na melhor linha "se não vejo, não existe; se não é comigo, não tem importância". Logo os comentaristas supostamente brancos, já sozinhos na discussão, terminaram por elogiar um ao outro, por sua compreensão fina do problema alheio, que nem o próprio outro é capaz de entender tão bem. 
Nada disso é novidade - vemos isso o tempo todo em relação a pessoas negras, a mulheres, ao grupo LGBT, aos mais carentes. Sempre tem alguém de fora dizendo o que é certo, como devem se comportar, o que devem sentir. Até aqui em casa o que vejo ou sinto é algumas vezes colocado em dúvida - será? tem certeza? acho que você está viajando! Não há nada mais espantoso, mais pós-verdade que esses comportamentos que são fruto de uma cultura enraizada, mas não irredutível, não incontornável, graças à deusa. 
É preciso combater todo tipo de preconceito, é preciso dar voz a todos. Muitas vezes será preciso ser antipático, cortante como a espada de um orixá ou santo guerreiro, bradar contra os altissonantes donos da verdade que querem calar os demais. Mas, na maior parte das vezes, ficar em silêncio, somente ouvindo a verdade do outro, tantas vezes amesquinhado, será a melhor, mais bela e mais justa coisa a se fazer.