segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Reflexão de botequim - Essa tal felicidade

Tem uma música do Tim Maia com esse título, da sua última fase, mais pop, lembram? Tristíssima! E a ideia é tão popular quanto a canção: todo mundo se pergunta sobre a tal felicidade, onde está, o que a garante. Isso tem resposta? Tem sim, e cada um tem a sua, se souber procurar no fundo de si.
Porque a felicidade responde a cada um de um jeito, mais fácil é dizer onde ela não está - no outro, ou num lugar fora de nós mesmos. Ou em um objeto ou trabalho ou no curso que se escolher fazer na faculdade. Nananinanão: ser feliz só depende da gente, do que temos a NOS oferecer.
Não precisa ser muito. Mas quem disse que é fácil? Começa pela complexa tarefa de se aceitar, de se conhecer, tendo coragem de ficar sozinho consigo. Às vezes é dolorido olhar no espelho, não é? Muito mais fácil sairmos de nós mesmo, vestirmos uma personagem para agradar os circunstantes, não precisar pensar em nada.
Para dificultar mais um pouco, não é um estado perene. Então, como fazer sua "manutenção"? Cada um tem sua fórmula. Talvez o melhor seja não achar que se trata de algo a perseguir, muito concreto, palpável. Tenho cá pra mim que felicidade se aproxima muito de paz de espírito e consciência tranquila - porque, pela minha experiência, são o que possibilita ser livre, e isso (de novo) para mim é sinônimo de felicidade (nem vou entrar no mérito de dizer o que considero ser livre, que isso é assunto para outro post). Se faço por onde ter essa paz e essa consciência tranquila, manter-me feliz por mais tempo, ou mais vezes, não me parece tão difícil.
Às vezes observo os sabotadores da própria felicidade (claro que não estou falando de depressivos reais, embora a depressão possa ser resultado da autossabotagem). Mas eles nem sabem que o são. Simplesmente vivem como vítimas e apostam que só serão felizes quando tiverem dinheiro, um carro, quando estiverem em tal lugar, com tais pessoas. A procrastinação é talvez a maior inimiga do "ser feliz", porque lança tudo para o indefinido e afasta da possibilidade. Já perceberam que nada é possível para a pessoa infeliz? Normalmente espera que milagres aconteçam, mas não acredita verdadeiramente em milagres. Só acredita que é merecedora, mesmo sem mérito, de alguma "bênção". Por quê? Porque ela é infeliz, uma vítima, e precisa mais que os outros. Como, porém, costuma procrastinar tudo, tende à inação. E assim nada acontece em sua vida. Resultado: mais infelicidade, mais autopiedade. E um tantinho de idealização de um suposto "passado feliz". Em vez de a energia circular, as reclamações e lamentos é que viram uma espécie de mantra - e a tristeza se sente com todo direito de se instalar, pois foi devidamente evocada por essas pessoas.
Isso não quer dizer que as pessoas que alcançam tudo que desejam, correndo de lá pra cá, sejam necessariamente felizes. Também conheço gente eternamente insatisfeita com o que tem, porque provavelmente projetou na casa, no carro, no tablet a sua felicidade. De tanto correr para alcançar essas coisas, nunca teve tempo de olhar para dentro, de aprender a confrontar seus fantasmas e de gostar da própria companhia, com qualidades e defeitos, dores e delícias que isso traz. Há quem simplesmente ignore o ruído de dobradiças e de portas batendo e carregue uma casa mal-assombrada inteira dentro de si.
Não estou dizendo, com isso, que as pessoas têm que ser bobas alegres. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O luto é necessário muitas vezes, como também a melancolia trazida pela reflexão, a tristeza que cria poesia e sabença.
Se ser triste de quando em vez é natural, por que será, então, que ser feliz de vez em quando parece tão difícil? Meu palpite (feliz ou não) é que a questão é mais difícil porque é anterior: muita gente não sabe simplesmente ser. Ninguém pode nos tirar o que somos, a menos que queiramos. Só deixamos de ser quando deixamos de existir - mesmo com uma existência pálida, ainda assim somos alguém. Mas se nossa satisfação depende de ter alguma coisa, é mais fácil nos frustrarmos - se para ser preciso ter, e não tenho, deixo de ser, deixo de existir. Ou pior, parasito minha própria existência - soy infeliz (antes fosse tema de Almodóvar!), es así que soy.
Para deixar os procrastinadores mais tristes - ou para libertá-los de vez de sua prisão - termino minha reflexão de botequim lembrando uma outra música, que fala sobre o melhor lugar do mundo. O doce Gil concordaria comigo que a felicidade, como o melhor lugar, é "aqui, fora de perigo, agora, dentro de instantes". Não amanhã, nem depois, não nos confins. Aqui. Agora.