sábado, 9 de janeiro de 2021

Consumir/comer x apreciar/respeitar

Hoje li um texto ótimo da Djamila Ribeiro na Folha, sobre homens que consomem mulheres, mas não as apreciam. Embora não curta as tretas da Djamila com outras importantes figuras dos movimentos anti-racistas, achei seu texto de uma precisão ímpar. 
Coincidência ou não, tem circulado uma postagem que fala de homens que comem mulheres, mas não respeitam, não leem (e Djamila também menciona isso), não admiram mulheres, porque só amam outros homens. Parece um sinal dos tempos, essa consciência feminina da misoginia "controlada", pragmática. Talvez sempre tenha sido assim, os gregos e romanos que o digam. 
Se unirmos o texto de Djamila e o post pop, podemos concluir que quem come sem apreciar só engole. Não pode ser de outro jeito se a companhia que interessa mesmo é outra, não a que ali está. Isso fica tão evidente quando observamos grupos de homens e mulheres conversando - há os homens que se interessam por tudo que é dito por todas as pessoas presentes, há aqueles que só conversam com outros homens, que só ouvem o que os homens dizem, que só veem os homens. 
Estou tão acostumada a conversar de igual pra igual nos grupos dos quais faço parte que sempre me surpreendo com as posturas medievais de silenciamento, negação e invisibilização. Cheguei a testemunhar, não faz muito tempo, um amigo não tão próximo servindo água aos homens presentes, mas não a mim. Aliás, ele nem me olhou, como se eu não estivesse ali, sentada diante dele. "Brotherhood!", eu disse apenas, e ele ficou momentaneamente sem graça. Trata-se de uma falta de educação mais abrangente - cívica, cultural, sexual, humanista. Triste, sempre, como toda falta de educação. 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Colorismo apaga ou acende a luta?

Outro dia foi que aprendi o termo "colorismo", usado por ativistas negros para salientar os graus de racismo sofridos por pessoas negras de acordo com ser mais ou menos negro. 
Acho que a esse respeito, não há dúvida: quanto mais negro for o indivíduo, mais preconceito ele sofre. Isso não quer dizer que os ditos "pardos", segundo as classificações estapafúrdias que aparecem no IBGE, não sofram também, ainda que de forma um pouco mais velada. O preconceito aí está, ferindo a todos. Por isso, do meu humilde ponto de vista de mulher não negra, fico pensando se é saudável para a luta anti-racista a divisão entre pessoas negras de qualquer matiz. Tudo isso depois de ter sabido de uma polêmica, no final do ano passado, entre a filósofa Djamila Ribeiro (que inclusive recebeu a última edição do Jabuti por seu Pequeno Manual Antirrascista) e a ativista Letícia Parks, a quem Djamila teria se referido no programa Roda Viva como "negra de pele clara" para evidenciar suas discordâncias. Antes, em maio de 2019, tinha havido outra discussão com Andreza Delgado, ativista negra de grande importância periférica, nos mesmos termos. 
O site Notícia Preta publicou, no ano passado, um artigo sobre Djamila x Andreza que expressa o meu sentimento com relação ao tema. Eu, do lado de fora dessa discussão, me incomodo com o esvaziamento de qualquer tema pelo uso de argumentos tão alheios ao debate que até lembram o que tanto criticamos nas falas machistas, homofóbicas, classistas e racistas. Só posso me entristecer ao ver como coisas menores podem minar a união tão fundamental para o fortalecimento dos movimentos sociais, sobretudo negros e feministas. 
O apego aos rótulos, e hoje talvez uma certa disputa pelos holofotes, não pode ser mais importante, me parece, que as longas lutas por direitos e igualdade na diferença.