terça-feira, 3 de maio de 2022

No me compares

Daí que, nas aulas de espanhol, volta e meia Raquel traz umas canciones, e outro dia foi "Corazón partió", de Alejandro Sanz. Fui buscá-la pra praticar a cantoria e achei uma outra, em dueto com Veveta, "Não me compares" (a versão é do Filipe Catto). Tem a versão de Sanz só em espanhol, claro, mas a ideia é a mesma: a mania que algumas pessoas têm de comparar seus diferentes parceiros. Alguém pode dizer que comparações são inevitáveis, mas acho que há muita diferença entre comparar coisas (que, para serem comparadas, devem ser equivalentes) e comparar pessoas (que são sempre únicas). Relacionamentos também são incomparáveis, tão diferente é sua natureza. Comparações entre pessoas de diversos relacionamentos, então, são conversas inúteis, quase sempre uma forma de mostrar insatisfação e que acaba por machucar o outro, que não pode (nem deve, e talvez nem queira) se transformar em outra pessoa. Até posso querer que o outro aja de forma diferente, mas não que ele se torne outro alguém. 
Como mostra a música de Alejandro Sanz, a insistência em comparar só pode trazer frustração. De ambos os lados. 

Ahora que crujen las patas de la mecedora
Y hay nieve en el televisor
Ahora que llueve en la sala y se apagan
Las velas de un cielo que me iluminó
Ahora que corren los lentos derramando trova
Y el mundo; "ring, ring", despertó
Ahora que truena un silencio feroz
Ahora nos entra la tos
Ahora que hallamos el tiempo podemos mirarnos detrás del rencor
Ahora te enseño de dónde vengo
Y las piezas rotas del motor
Ahora que encuentro mi puerto, ahora me encuentro tu duda feroz
Ahora te enseño de dónde vengo
Y de qué tengo hecho el corazón
Vengo del aire
Que te secaba a ti la piel, mi amor
Yo soy la calle
Donde te lo encontraste a él
No me compares
Bajé a la tierra en un pincel por ti
Imperdonable
Que yo no me parezco a él
Ni a él, ni a nadie
Ahora que saltan los gatos buscando las sobras
Maúllas la triste canción
Ahora que tú te has queda'o sin palabras
Comparas, comparas, con tanta pasión
Ahora podemos mirarnos sin miedo al reflejo en el retrovisor
Ahora te enseño de dónde vengo
Y las heridas que me dejó el amor
Ahora no quiero aspavientos tan sólo una charla tranquila entre nos
Si quieres te cuento porqué te quiero
Y si quieres cuento porqué no
Vengo del aire
Que te secaba a ti la piel, mi amor
Soy de la calle
Donde te lo encontraste a él
No me compares
Bajé a la tierra en un pincel por ti
Imperdonable
Que yo no me parezco a él
Ni a él, ni a nadie

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

No pasarán

Outro dia, assisti ao lindíssimo Madres paralelas, de Pedrito Almodóvar - ou AMORdóvar, como bem o chamou uma antiga amiga de faculdade. Foi aquele gatilho do bem pra eu me lembrar como o tema da Guerra Civil Espanhola - e, na sua esteira, a luta por justiça e por direitos humanos - sempre me foi caro. Aliás, essa mesma amiga da faculdade se recordou de minhas pesquisas sobre Guerra Civil quando frequentávamos as aulas do professor Sebe, especialista no assunto. Tudo havia começado no colégio, assistindo aos filmes de Saura, lendo García Lorca, conhecendo Guernica; depois tive contato com Hemingway e, já na faculdade, com os volumes de Hugh Thomas sobre a guerra na Espanha. As Brigadas Internacionais. La Pasionaria Dolores Ibárruri. No pasarán, conclamava a revolucionária basca. 
Infelizmente, eles passaram e mantiveram uma ditadura de quarenta anos na Espanha. Como também em Portugal, sob Salazar. No Brasil, foram quase trinta anos (sem contar a de Vargas). Quase vinte no Chile. Tantos anos em tantos países, incontáveis anos roubados à liberdade do cidadão comum. Quase nunca das elites econômicas, que sempre ganham com o desastre e o horror. Como acontece hoje, no governo bolsonarista, em que, mesmo com a intensificação da iniquidade social, os ricos repetem sua ladainha desprovida de sentido de temor ao comunismo que nunca houve no país, seguida sempre do irritantemente imbecil "mas e o PT?". Porque, para eles, pouco importam os milhões voltando à miséria, os desempregados, a população de rua, os feminicídios, o massacre da população pobre e negra. 
Eu tive certeza desse completo descaso pelo outro quando me vi cercada de simpatizantes do Bozo, pró-fascistas que clamavam contra uma possível eleição de Lula - porque, no governo do PT, "nosso dinheiro era todo mandado pra fora". Pra fora onde, meu pai? Pra Venezuela? Dali a pouco, teve um que quis colocar um áudio de WhatsApp recebido sabe exu de onde pra gente "ver que". Ai, senhor Jesus, apaga a luz. Por sorte, até os outros simpatizantes do Evil protestaram porque preferiam ouvir música ao áudio de origens controversas. Só sei que, ao fim da sessão de disparates, me sobrou uma sensação ruim e um pensamento: sou obrigada a conviver com gente assim? Pessoas que se informam pelo WhatsApp? Que estão cagando pro próximo, que só se importam com seus ganhos, seu conforto? Que acreditam que há orgias nas universidades públicas, que agora há uma semvergonhice das populações antes esmagadas? É um samaritanismo que não possuo.
Só para aumentar ainda mais o tamanho do disparate, assisti no YouTube a uma récita de um casal de moradores de rua - não consegui descobrir quem são, de onde são, quem produziu o vídeo. Só sei que foi a declamação mais pungente e bela que já vi de Drummond. E eles perguntam, no máximo direito de perguntar: você marcha, José? José, para onde? A mim só resta desejar que, como José, eles sejam duros, que não morram, que não deixem que seus opressores passem mais uma vez. Quero estar junto, cerrando fileiras.