Embora eu ande numa fase mais umbilical, não posso deixar de reconhecer como tenho sido coberta de carinho por alguns amigos em meio a uma torrente de mudanças, por isso mesmo difícil. Do mesmo modo que o outro pode ser um paraíso que se torna um inferno, ou que um ou outro venha nos puxar o tapete, há quem com seus cuidados traga o alento, o repouso necessário. Ou seja, embora eu saiba que preciso cada vez mais me importar menos com o que é do outro, sei também que não conseguiria viver sem me relacionar minimamente com os outros. Mesmo que algumas decepções façam parte do pacote.
Não sei o quanto o outro é o espelho de mim mesma, como afirmava Lacan. Que é parte desse espelho, não tenho dúvida. Mas é sempre surpreendente perceber, nesse processo de acolhimento que tenho vivido, como os outros me veem.
A Simone, que já havia me mandado o texto lindo sobre o amor e outros bichos, andou escrevendo, sempre lindamente, sobre como me percebe, e eu fiquei realmente espantada. Suave. Serena. Equilibrada. De outra amiga, Cláudia, ouvi que sou sistemática. De um amigo de décadas, Carlos, ouvi que sou corajosa.
Eu acho que sou maluca e um pouco inconsequente, choro por tudo, não sou organizada, quero fazer tudo ao mesmo tempo (alguma megalomania), vou no vai da valsa. Se pareço serena, pouco passional quando escrevo, é porque, à semelhança das vacas, sou um ser ruminante. Então, quando escrevo, muito já foi deglutido, elaborado. Talvez falte, como indica a terapia, a experienciação. Ou seja, botar a boca no trombone, me atrever mais, mesmo normalmente sendo alguém que dá as costas àquilo que "já não deu". Queria ser mais fogo que água. Talvez seja cultural - o meu lado nipônico me contém na hora em que devia explodir. Talvez seja trauma familiar. Talvez me acometa às vezes um cansaço de existir, como diria Pessoa.
O fato é que é difícil não se contagiar do outro, para bem e para mal. É difícil o sangue não errar de veia e se perder. Por ora, tenho aproveitado o momento bom do outro-que-traz-descanso. Porque sei que logo virão outros de todo tipo, inclusive trazendo uma escadinha pro inferno, a primeira coisa que tenho feito ao acordar é ME olhar no espelho, para não esquecer quem sou, que o outro é bem-vindo, mas que a casa/vida/alma é minha...
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