Sobre essas coisas de palavras, há muitos autores interessantes a falar nelas. Às vezes, com um tom jocoso, como Veríssimo (o filho) e Sabino, que têm textos ótimos sobre o sentido e o som que as palavras "devem" ter; outras vezes, mais circunspectos (mas nem por isso menos literários), como Barthes e Wittgenstein, tratando das maravilhas e armadilhas da linguagem.
E como explicar o gosto por determinadas palavras? É, claro, questão "de gosto", e gosto, dizem, não se discute. Eu, por exemplo, prefiro quase sempre a palavra amplidão a imensidão. Muitas vezes, querem dizer a mesma coisa. Mas uma tem não sei que de algo que se lança no espaço, de movimento, que me parece faltar na outra. E, como se há de perceber em outros escritos, gosto das coisas "moventes".
Por isso é que diante de alguns prodígios, como a queda irresistível das cataratas do Iguaçu, pontilhadas pelo arco-íris, vem-me a idéia de amplidão, e não só do que é imenso. Assim com o rio São Francisco encontrando o Atlântico. Ou o próprio mar, que é imenso, mas atordoa o olhar em sua amplidão. As serras, os campos. O céu estrelado. E a qualidade se espalha e alcança também o que é humano. Amplo é um sorriso que ganha a cara toda. Ampla é a esperança. Alguém pode escolher ter ou não largueza de espírito, uma alma ampla ou estreita.
Há muita gente apequenada por aí, mas tenho o privilégio de conhecer outras tantas pessoas de uma amplidão indiscutível, que nem sabem que são grandes assim. Vejam que não estou falando de uma generosidade eventual, de uma comiseração instantânea etc. etc. Estou falando de um estado de espírito permanente, de uma opção de vida. Mais que uma resistência, uma não desistência. Percebem a diferença? Pessoas que têm uma doença crônica, gravíssima, mas continuam animando os que as cercam como quem não tem nada a temer. Outras que sabem somar esforços, sem julgar ninguém. Outras ainda que são especialistas em abrir caminhos, oferecer oportunidades, desinteressadas em ganhar qualquer coisa em troca, seja um elogio, seja uma recompensa. E outras – este é o melhor exemplo – que, de uma hora para outra, perderam tudo e souberam prosseguir.
Quero apenas citar o exemplo da mãe de uma amiga, que conheci quando aceitei o convite para passar o Natal com sua família, longe de São Paulo e de uma crise doméstica. Durante todo o tempo que estive lá, embora soubesse pelo que eu estava passando, ela foi discretíssima, como só podem ser as pessoas que têm um verdadeiro refinamento espiritual. Integrou-me à sua família com naturalidade, como se nos conhecêssemos há anos, e na noite de Natal surpreendeu-me com um presente feito por ela mesma: uma delicada fronha de laise com meu nome e um simbólico sol bordados à mão. E fez-se luz.
Mas o caso é que há alguns meses, quando publiquei uma resenha acerca do Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, soube que ela perdeu a visão. Minha amiga leu a resenha e contou então que a cegueira viera pouco a pouco e que sua mãe estava reaprendendo a ver usando os outros sentidos. Serenamente, apesar das dificuldades. Afora o choque da notícia, pensei logo que uma pessoa como ela só poderia reagir assim a um tal golpe: sem jamais desistir, sem se lamentar, seguindo adiante como quem vê o que mais ninguém vê. Juro que não vou terminar com a lengalenga de "isso é para valorizarmos o que temos", "não devemos reclamar" etc.
Porque a única coisa que posso dizer já foi dita, de outro jeito: a amplidão da vida, a nossa infinitude dependem do alcance do nosso olhar. E daí o mar, o horizonte, a coragem, a humanidade.
04 de fevereiro de 2008
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