Há alguns anos a editora Objetiva lançou a coleção Plenos pecados – os títulos foram encomendados a sete escritores famosos, que tiveram a tarefa de imprimir aos pecados capitais sua marca pessoal. Talvez seja desnecessário dizer que um dos meus favoritos é o que versa sobre a gula, não só pela minha própria gourmandise, mas principalmente porque leva a assinatura do sagaz Luis Fernando Veríssimo.
Ao lado, porém, de O clube dos anjos (este é o nome do livro sobre a gula), descobri, no desbravamento da coleção, o livro de Zuenir Ventura sobre a inveja. Aí entendi tudo sobre esse execrável sentimento que é provavelmente o mais comum dos pecados.
Zuenir batizou seu livro, muito a propósito, de Mal secreto. Afinal, todos os outros pecados dão-se mais à luz que a inveja. Querem ver? A soberba vive a pavonear-se, a avareza salta aos olhos, a ira irrompe contra tudo e todos. Luxúria e gula, por distintos motivos, lambem os beiços, enquanto a preguiça cerra as pálpebras à menor ameaça de esforço. Somente a inveja oculta-se sob o manto da sociabilidade – e a moralidade também costuma ser um bom disfarce para ela. Mesmo que alguns não a consigam esconder, dando pinta com seu olhar vítreo e sorriso congelado, não é de bom tom admiti-la. Ou, se a admitem, é para renomeá-la “inveja boa”, que, obviamente, não existe.
Muitos, ainda, confundem ciúme e inveja, mas somos esclarecidos por Ventura (o nome do autor é uma feliz coincidência) de que o primeiro consiste no medo de se perder algo ou alguém para outrem, enquanto a segunda se compraz em que o outro perca o que tem, mesmo que ninguém mais o possa ter. Percebem o horror? Se um pode estar ligado à insegurança, a outra parece resvalar em maldade pura.
Invejosos passam a vida a “secar” o jardim do vizinho. Não contentes em copiar falas e gestos, logo estão a desejar que aquele a quem copiam desapareça. Se isso acontecer, continuarão, porém, infelizes e ávidos de encontrar rapidamente outro alvo para sua fúria silenciosa, diferente da dos iracundos e que pode ter início com uma devoção enganadora.
O que poderia deter a sanha da inveja? No filme Seven (Os sete pecados capitais), do diretor David Fincher, temos uma visão extremada de seus efeitos: a inveja do assassino, travestida de moralidade, é a propulsora da série de crimes que culmina com a ira do pouco heroico mocinho. Normalmente – e felizmente –, porém, ela não termina num banho de sangue.
De qualquer modo, aquela roupa que você adora e que foi insistentemente elogiada manchou na última lavagem? Seu par perfeito mostrou as asinhas depois de alguém ter comentado a felicidade do casal? Fique atento aos sinais – hoje, quando o consumo é exacerbado e atesta a “dignidade” do indivíduo, os invejosos se multiplicam. Não custa, portanto, durante as compras, adquirir também um olho grego e uma pimenteira bem grande...
28 de novembro de 2009