sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Quando o racismo nos atinge

Nem eu mesma aguento mais falar sobre o fascismo alheio de cada dia. É um bombardeio de notícias ruins a cada momento, e parece que é só delas que falamos, ainda que uma ou outra coisa bacana, uma ação solidária ou justa aconteça aqui ou ali.
Embora sempre fique indignada com os casos de intolerância, que têm aumentado exponencialmente no contexto fascista em que vivemos, nunca pensei que era possível ficar ainda mais consternada quando acontecesse tão perto de mim. 
E aconteceu, com minha irmã caçula, que mora no Rio. Uma senhora, no metrô, começou a ofendê-la assim que a viu entrar no vagão, chamando-a de "chinesa porca" e outras baixarias. Fez comparações com os negros, que, "graças à escravidão", aprenderam a "ser limpos", ao contrário dos orientais. 
O que a tola e preconceituosa senhora não sabia é que minha irmã é extremamente inteligente, retadíssima, consciente de seus direitos, futura competente advogada e, honrando o fato de ser minha irmã, não ia deixar barato. Além de ter filmado boa parte das ofensas, ela descobriu nome e endereço da mulher e logo deu tratos à bola, ou seja, indiciou a criminosa. 
Eu me lembro de meu irmão mais velho, quando éramos adolescentes, sofrer com piadas pelo fato de ser descendente de orientais - havia só uma meia dúzia de mestiços na escola pública onde fizemos o ensino fundamental; depois eu e ele iríamos para escolas técnicas repletas de "gente como nós". Depois, durante muitos anos, esses episódios de racismo pareciam erradicados da minha vida familiar, mas não. Eles acabam de voltar, com muito mais fúria. 
É este o país em que temos vivido, com fascistas de todo tipo saltando do armário, atacando qualquer um que seja diferente deles, que tenha coragem de ser. Está liberado ser racista, homofóbico, preconceituoso, propagar o ódio. E é difícil pensar em pagar na mesma moeda, com a mesma raiva - porque não faz sentido para quem só quer viver em paz.
A atual epidemia de coronavírus que tomou uma cidade chinesa e tem se irradiado por outros países contribui para que a intolerância também se espalhe, como lama tóxica. Mais um pretexto para ações como a que minha irmã sofreu. 
Aliás, ela ter sido chamada genérica e preconceituosamente de chinesa e termos assistido há poucos dias o filme Assunto de família, sobre japoneses que vivem à margem do sistema aplicando pequenos golpes, são coisas que me fizeram pensar em como o outro é sempre um enigma, quando não uma ameaça. Mesmo para mim, descendente de orientais, é difícil pensar que existam japoneses "malandros", que vivam na pobreza, como as personagens do filme. Imagine, então, para os não descendentes e não dispostos a conhecer esse outro, que estereótipos mais podem surgir. 
Na verdade, prefiro não imaginar, para não perder a esperança e assim continuar a resistir. 

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