terça-feira, 4 de agosto de 2020

Patrulha amiga, o fim

Acho patrulha uma coisa chatíssima por si. Inaceitável, na verdade. Gente que fica tomando conta da vida dos outros, dando palpites não pedidos, pitacando sobre tudo, um horror. Nas redes sociais, acontece demais, é quase a regra - opinionismo agora se encontrou com bolsonarismo, naquela forma de opinião non sense, sem argumentos plausíveis, puro dogma infernal. 
Já tive amigo ou conhecido dando pitaco nas minhas postagens, especialmente por questões políticas. Vejam: minhas postagens não são abertas a todos, apenas aos amigos, às pessoas que permiti que vissem o que posto. Mesmo assim, tem bizarrices, opiniões loucas não pedidas. A depender da pessoa, só ignoro para não perder a amizade ou cancelo mesmo. E isso porque também não posto coisas muito polêmicas, que dariam abertura aos palpites alheios.
Entre ontem e hoje, vivenciei um novo tipo de patrulha: amigos dos amigos. Começou com ter postado uma foto do ragu de shitake que fiz outro dia - bastou para o amigo de uma amiga, que nem me lembro como foi parar nos meus contatos, dizer que não era ragu, pelo amor de deus, que desse outro nome. Respondi uma bobagem qualquer e ele nem retrucou, tamanho era seu desejo de só causar na postagem alheia. Mais tarde, esse mesmo amigo da amiga apareceu na postagem de uma outra amiga (descobri que temos mais de uma amiga em comum, oh God) em que ela comentava comigo e com uma outra conhecida nossa uma polêmica envolvendo Lília Schwarcz e Beyoncé - isso porque falávamos disso ontem, e estávamos de acordo, as três, sobre a inadequação da fala de Schwarcz. Bueno, esse amigo terceirizado comentou na minha timeline, discordando da minha amiga. E o que se sucedeu foi uma enxurrada de amigos e conhecidos dela (inclusive uma moça que também invadiu outro dia um comentário meu sobre Walter Benjamin, totalmente despretensioso, para me corrigir e, quando viu que estava errada, nem se desculpou) bradando raivosamente em defesa da historiadora branca que resolveu dizer como a diva pop negra deveria se comportar em SEU trabalho, com SUA arte. Uma enxurrada branca, poderíamos dizer, histérica e indignada com as pessoas negras inconformadas com o papel relegado a elas pela branquitude. Como no episódio do programa Roda Viva em que a apresentadora demonstrou clara inquietação com o rapper Emicida ter uma marca de roupas "caras", como se uma pessoa negra que saiu da quebrada devesse ser para sempre pobre e malvestida.
No episódio Lília x Beyoncé, minha amiga teve a maior paciência para responder um a um com argumentos bem plausíveis, e ainda teve de ler uns rosnados de volta. Minha amiga é branca no sentido lato (já que é mediterrânea de pai e mãe), é doutora, é crítica de arte, é filósofa, é professora. Não é a Maria Mané da Perna Torta. Pode ter um quê de academicismo, mas tem senso de justiça, tem semancol. Achei tristíssimo que os integrantes da patrulha também sejam pessoas com boa formação, professores e tal. Que gastem sua indignação com algo tão menos importante (a defesa de Lília, como se ela de fato precisassse) do que a desigualdade social brasileira e o fato de estarmos chegando a 100 mil mortos no país desgovernado por um genocida. 

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