Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Simone de Beauvoir continua causando furor com sua constatação. Talvez hoje mais que em 1949, a ponto de a francesa ser lançada à fogueira, viva fosse, por ter sido tema de questão do Enem 2015.
Sim, ser mulher é uma condição a que se chega, e me parece que pode ou não acontecer. O que mais se vê, porém, são travestis de mulher, seres do sexo feminino que vestem a fantasia imposta pela sociedade. Nossa sociedade brasileira machista, por exemplo, crê que mulher é um ser submisso, a que não se deve dar voz, a quem se pode interromper, que deve aguentar cantadas por onde passa, que deveria dar graças a Deus por ser cantada, que deve fechar os olhos a traições e maus-tratos, que merece ganhar menos que o homem, que não pode mostrar inteligência - se for inteligente, provavelmente, é sapatão, e sapatão não é mulher. No Brasil, mulher boa é "bela, recatada e do lar", como se disse da senhora Michel Temer - um modelo para todas nós. Se nos faltar uma dessas "qualidades", só nos resta lamentar ou morrer de inveja. Ou, ainda, passar a vida tentando se adequar a isso, agradecendo ao homem que nos queira. Oh, sim, todas precisamos de um homem, ou não seremos mulheres. Aliás, precisamos de um homem e também ter filhos, ou seremos simples aleijonas sociais.
Mulher que se preza no Brasil anda na corda bamba pra se sustentar, ficar linda pro seu macho, estar sempre depilada, bronzeada, hidratada, gostosa, cozinhar bem, lavar a louça, estar disponível para o sexo quando o macho quiser. Apesar de ter de ser sensual, se for estuprada, a culpa foi sua, com certeza: quem mandou usar roupas provocantes? Ah, não era ela que já tinha um filho, andava na boca do morro, era drogada? Teve o que merecia - ser violentada por mais de 30 homens. Desacordada sim, mas houve consentimento (ela não estava lá pra "isso"?) - logo, não foi estupro. Aliás, sempre que querem quebrar uma mulher, estupram-na. Porque o estupro é uma forma de demonstrar o poder do macho. Quebram sua alma, sua dignidade.
Isso que aconteceu na Zona Oeste do Rio de Janeiro, com a jovem violentada coletivamente, coroa as violências que as mulheres sofrem todo dia. Quando é constrangida pelo companheiro, pelo chefe, por colegas, quando ouve "cantadas "bizarras e teme responder, quando é interrompida por um homem no meio de uma conversa. Eu já trabalhei em ambientes muito machistas, tive companheiros abusivos em algum grau, vi alguém se masturbar na minha janela, ouvi grosserias na rua. Se ser mulher é ter de viver isso, obrigada, está muito longe do que eu quero e mereço.
Não bastasse a culpa que a mulher carrega, simplesmente por ser mulher, travesti ou não de seu gênero, ainda há a cultura de colocar uma mulher contra outra. A culpa não é do homem que deu mole, mas da vaca que deu em cima do pobrezinho, a outra. Livra-se parte das pessoas envolvidas apelando para a questão de gênero. Assim, quem carrega a culpa e as responsabilidades pelos pecados do mundo são as mulheres, não as pessoas.
Aliás, não há nada mais distante de ser uma pessoa do que ser mulher no Brasil ou em qualquer pátria (nome mais claro não há) machista.
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