Viver está cada vez mais perigoso. Além da intolerância, violência, desastres climáticos, há os riscos comezinhos, como os malefícios do glúten, dos agrotóxicos, do café e do ovo (nem vou citar as gorduras e o açúcar, vilões há muito mais tempo). Até comprar roupa é perigoso, porque corremos o risco de alimentar a indústria do trabalho escravo. Pode ser que sempre tenha sido assim, mas agora as coisas têm sido escancaradas sob uma luz insuportavelmente clara.
De repente, nos damos conta de que não temos controle sobre nada, que no fundo tudo é produto de um grande acaso. Para Nietzsche, isso tinha a ver com ficar cara a cara com o trágico e, de preferência, sobreviver a ele. Dito de maneira mais simples, ter um choque de realidade. Descobrir que não há garantia de nada, mesmo que recebamos todas as garantias. Que, a bem da verdade, não é possível colocar a mão no fogo por ninguém, nem por nós mesmos. Porque tudo muda sempre, porque essa é a natureza da vida/realidade/mundo. Que a única coisa real é agora, que amanhã e a depender da memória dos envolvidos não será mais.
Mesmo assim, vivemos. Topamos o desafio. Alguns, nem consciência têm disso - sequer têm consciência, como Riobaldo, de que viver é naturalmente muito perigoso. Os que o sabem continuam caminhando até a beira do precipício, esperando a chegada do novo ano ainda que desconfiem de que ele será apenas continuação do que supostamente termina - sem possibilidade de previsão. Ainda assim, fazem planos e promessas, mesmo que desconfiem que nem sempre realizarão uns e outras. Se são corajosos ou se mentem, sabem que é assim que se faz.
Porque, como nada é previsível, a beira do precipício pode ser não um salto para a inevitável morte, mas uma bela plataforma de voo para o desconhecido que é viver.
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