A culpa só pode ser de Mercúrio.
Quando as comunicações ficam truncadas, a responsabilidade é do pequenino. E um jeito de ele chamar a atenção, já que é tão pequeno, é fazer bagunça. Ou birra, porque imagino-o se recolhendo (retrogradando) no quarto, batendo a porta, como menino mimado. Certamente, teve um dedinho de Mercúrio na história da torre de Babel...
Ou então o baleês é a nova língua oficial, e ninguém me avisou. Por isso é que fico um tempão tentando explicar uma coisa, escolhendo a palavra mais exata, e recebo respostas estapafúrdias. Ou não, porque na verdade são dadas em baleês. E aí a culpa é minha, porque não domino o idioma.
E provavelmente a nova língua é mais enxuta que o português arcaico que falo, e por isso as pessoas sentem menos necessidade de explicar, usam frases curtas e tal.
Foi o que aconteceu um dia numa loja da Centauro, onde fui trocar uma camisa de Guga - a gerente, em baleês, me disse apenas que não dava para fazer a troca. Quando viu, porém, que eu não falava a língua e parecia carecer de mais explicações, condoeu-se e acabou dizendo em português que eles até concediam mais 15 dias além dos 30 de praxe, mas, uma vez que a compra tinha sido feita no dia x, não era mais possível, que pena etc. Bem, como a matemática é uma linguagem universal, fiz as contas mentalmente e disse a ela: mas hoje é o 45o dia! então podemos fazer a troca.
E nossa comunicação cessou. Subitamente. Como se alguém tivesse arrancado o fio do telefone da parede (cena ainda clássica de cinema, mesmo em tempos de wireless, wi-fi e tal).
Fazia tempo que não me sentia tão odiada por alguém. A mulher emudecida foi até o computador, viu que eu tinha razão e passou a camisa para uma subalterna. Só quando perguntei se "tinha dado certo" ela respondeu que eu podia trocar a camisa. Mas parecia doer muito nela, e ela sumiu. Que pena. Quase doeu em mim.
Tudo culpa de Mercúrio. Ou do baleês?
sexta-feira, 30 de março de 2012
domingo, 18 de março de 2012
Muito sem graça
Pois o mundo e as pessoas andam muito sem graça. Aliás, vejam como aquilo que é gracioso, gratuito, engraçado é aguerridamente combatido (já falei aqui também do combate à alegria) - o que serve logo de alimento para a imaginação, pois é como se um rinoceronte enlouquecido avançasse sobre uma pluma que descesse rodopiando do céu.
É assim que vejo a graça: algo leve, delicado, que chega de lugar nenhum, de modo inesperado, e pode ser levado pelo vento do mesmo modo - e a imagem nem é minha, mas da primeira e última cenas de Forrest Gump, e já foi citada por um "especialista em graça", Philip Yancey.
Antes que alguém pense que vou fazer uma pregação, aviso que meu comentário não é religioso ou teológico, mas ético. O desgraciosismo atinge todas as esferas da vida humana, todo tipo de relação - e as notícias da TV estão aí para atestar isso, o fascínio pela desgraça alheia.
Outra noite, um casal de amigos queridos (num lugar de nome "esperança", vejam só) comentava como havia tentado promover um evento gratuito de cinema, e como o público era desrespeitoso - as pessoas chegavam atrasadas e saíam sem cerimônia no meio da sessão. Pode ser porque os filmes não agradassem, mas provavelmente teve a ver também com o fato de a maioria não estar preparada para receber algo gratuitamente. Por incrível que pareça, receber é uma tarefa difícil, porque pressupõe confiar, atribuir valor a quem concede (mesmo que nada seja pedido). Afinal, por que valorizar o que vem de graça, perder a oportunidade de mostrar o poder de compra, de conquista - a disputa? Quem concede deve estar querendo algo em troca, não está? Não mesmo?
Eu não sou nenhuma Madre Teresa, mas acredito, como um certo profeta das ruas cariocas, que gentileza gera gentileza. E assim já fui atropelada várias vezes pela desconfiança alheia - está sorrindo por quê? Desse jeitinho mesmo, quase uma bofetada que faz o choro subir aos olhos. Por outro lado, já fui agraciada por gente que encontrei uma só vez antes de nos separarmos na poeira dos caminhos.
Sim, devemos ter cuidado, ser menos ingênuos, desconfiar mais - e as pessoas "capazes de tudo" que encontro por aí não me deixam esquecer disso. Mas (e também já disse isso), como quero uma bagagem leve para ir mais longe, deixo para trás o rinoceronte em surto e fico com a pluma.
É assim que vejo a graça: algo leve, delicado, que chega de lugar nenhum, de modo inesperado, e pode ser levado pelo vento do mesmo modo - e a imagem nem é minha, mas da primeira e última cenas de Forrest Gump, e já foi citada por um "especialista em graça", Philip Yancey.
Antes que alguém pense que vou fazer uma pregação, aviso que meu comentário não é religioso ou teológico, mas ético. O desgraciosismo atinge todas as esferas da vida humana, todo tipo de relação - e as notícias da TV estão aí para atestar isso, o fascínio pela desgraça alheia.
Outra noite, um casal de amigos queridos (num lugar de nome "esperança", vejam só) comentava como havia tentado promover um evento gratuito de cinema, e como o público era desrespeitoso - as pessoas chegavam atrasadas e saíam sem cerimônia no meio da sessão. Pode ser porque os filmes não agradassem, mas provavelmente teve a ver também com o fato de a maioria não estar preparada para receber algo gratuitamente. Por incrível que pareça, receber é uma tarefa difícil, porque pressupõe confiar, atribuir valor a quem concede (mesmo que nada seja pedido). Afinal, por que valorizar o que vem de graça, perder a oportunidade de mostrar o poder de compra, de conquista - a disputa? Quem concede deve estar querendo algo em troca, não está? Não mesmo?
Eu não sou nenhuma Madre Teresa, mas acredito, como um certo profeta das ruas cariocas, que gentileza gera gentileza. E assim já fui atropelada várias vezes pela desconfiança alheia - está sorrindo por quê? Desse jeitinho mesmo, quase uma bofetada que faz o choro subir aos olhos. Por outro lado, já fui agraciada por gente que encontrei uma só vez antes de nos separarmos na poeira dos caminhos.
Sim, devemos ter cuidado, ser menos ingênuos, desconfiar mais - e as pessoas "capazes de tudo" que encontro por aí não me deixam esquecer disso. Mas (e também já disse isso), como quero uma bagagem leve para ir mais longe, deixo para trás o rinoceronte em surto e fico com a pluma.
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