domingo, 21 de fevereiro de 2010

Gente doida e gente sã

Será que quando Machado de Assis publicou O alienista, em 1882, estava antevendo, como Orwell, um fenômeno ulterior? Será que estava adivinhando a situação mostrada no Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, de não haver mais lugar para se colocar tanta gente doente?
Claro que aqui não me refiro a causas neurológicas, mas a escolhas egoísticas, a falta de ética, que também podem adoecer o espírito. Nessa acepção, a diferença entre ser são e não ser é cada vez mais tênue. Dá até para a gente desconfiar da própria sanidade. Principalmente quando nos enganamos a ponto de incluir em nosso círculo - de amigos, profissional - pessoas completamente despirocadas, capazes de tamanha inversão da realidade que não nos possibilitam participar da conversa, posto que estão a falar de outra coisa, que desconhecemos. Outra dimensão. Papo de bêbado.
Já disse que não curto observar a palavra, pela qual tenho tanto zelo, se espatifando no vazio. Mas tem acontecido com uma frequência indesejável. Palavras sem retorno, diálogo impossível. Como também muita violência gratuita por aí, gerada por essa mesma ausência dialógica. Cada um se agarra à sua verdade, ao seu "direito" e afronta quem o obrigue a encarar a realidade, que, no fundo, é uma verdade coletiva.
Que podemos fazer? Silenciar para não alimentar a sandice alheia? Pois é com nossas palavras, devidamente distorcidas, que difamadores se sustentam, uma vez que não têm capacidade própria de criar algo. Ou fingir, como no livro de Saramago ou na história mais antiga da terra de cegos, que estamos também doentes, para não parecermos tão ameaçadores?
Parece mesmo que o desafio contemporâneo seja, como anotei na resenha sobre o Ensaio, passear no meio do inferno sem perder a integridade. Um desafio, obviamente, apenas para quem tem algo a perder.

5 comentários:

  1. Não creio que sejas como Bacamarte que acreditava ser apenas ele o sano, sadio e reto e por este motivo, desejo com a sua estimada ajuda, reabrir a Casa Verde. Oh! me perdoe! preciso antes me apresentar, sou o espírito vagante e entediado de Porfírio, barbeiro de ofício e observador tenaz dos surtos de insanidade que assola nossa querida e estimada Itaguaí.

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  2. Caro Rex Lunas,
    creio antes, como Machado, no graõzinho de sandice que nos habita a todos. Sãs as pessoas que não lhe deitam água em demasia, nem lhe aplicam fertilizantes. Doidos os que acalentam a semente a fim de que se espalhe pelos jardins,seus e alheios...
    abçs.

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  3. A respeito deste tema, sigo com Italo Calvino:

    "O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço"

    Beijos,

    Lu

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  4. Lu, que lindo! E profundo, como tudo o que você pensa e diz!
    Sigo no meio de um dado inferno, fechando os ouvidos aos brados histéricos de um dado ser desvairado...
    beijos,

    Sô, ainda incólume

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