Esse título é propositalmente ambíguo. Você domina sua dor ou ela te domina?
Quando pensei em escrever sobre isso, Alain Delon nem tinha anunciado seu suicídio assistido porque não via mais sentido na vida. Ele admitiu que não conseguia lidar com as dores da velhice, o que não deve ter sido fácil para um homem tão assumidamente vaidoso como ele sempre foi. Foi no início do ano passado que ele fez o anúncio, que causou espécie no mundo todo. Ainda não levou a cabo a promessa, mas com certeza fez muita gente refletir sobre diversas questões.
É importante eu dizer, antes de mais nada, que acho que cada um tem direito de fazer o que quiser de sua vida, desde que não prejudique a dos demais. Mas, além da não aceitação da velhice em si, me chamou a atenção a dor imensa que essa provoca em Delon, física, psíquica e espiritualmente. Realmente, envelhecer não é bolinho. Causa dores mesmo, tudo range, tudo cai, tudo afina. Poderia dizer que a velhice é das poucas coisas justas, porque acomete a todos, mas não é, porque não acomete a todos do mesmo jeito. Alain Delon tem mais condições de envelhecer com dignidade que a maior parte da população mundial. Eu sei, estou cada vez mais chata (provável sinal da velhice, a rabugice), mas não deixo de pensar na injustiça all the time, sorry.
Mas o fato, para além da injustiça, da dor física provocada pelo envelhecimento, da dor na alma provocada pelo etarismo (que atinge, sim, as pessoas mais vaidosas, presas a uma ideia de juventude eterna, à não aceitação da passagem do tempo), da minha rabugice, é que muitas pessoas, talvez a maioria, se deixem dominar pela dor. Dominar a dor, pelo contrário, é um aprendizado longo, talvez um verdadeiro aprendizado zen.
Nunca me esqueço de uma passagem do documentário belíssimo Eu maior, de Fernando Schultz e Paulo Schultz, em que a monja Cohen fala que a dor é um sentimento passageiro, nós é que nos agarramos à lembrança dela, e que é preciso deixar passar essa lembrança, esse pensamento, como se faz na prática da meditação. É fácil falar porque meditar de fato exige um treino imenso, talvez pouco atraente porque não tem resultados tão visíveis para os outros como um treino em academia, o treinamento de um idioma, a prática culinária etc. Meditar é só com a gente mesmo, e por isso deveria ser tão importante.
Mas o fato, para além da injustiça, da dor física provocada pelo envelhecimento, da dor na alma provocada pelo etarismo (que atinge, sim, as pessoas mais vaidosas, presas a uma ideia de juventude eterna, à não aceitação da passagem do tempo), da minha rabugice, é que muitas pessoas, talvez a maioria, se deixem dominar pela dor. Dominar a dor, pelo contrário, é um aprendizado longo, talvez um verdadeiro aprendizado zen.
Nunca me esqueço de uma passagem do documentário belíssimo Eu maior, de Fernando Schultz e Paulo Schultz, em que a monja Cohen fala que a dor é um sentimento passageiro, nós é que nos agarramos à lembrança dela, e que é preciso deixar passar essa lembrança, esse pensamento, como se faz na prática da meditação. É fácil falar porque meditar de fato exige um treino imenso, talvez pouco atraente porque não tem resultados tão visíveis para os outros como um treino em academia, o treinamento de um idioma, a prática culinária etc. Meditar é só com a gente mesmo, e por isso deveria ser tão importante.
Dominar a dor é diferente, claro, de suportar a dor, como tantas mulheres suportam todos os dias, físicas e psicológicas. Nem sei se é completamente possível para nós, meros mortais. Porém, não se deixar dominar por ela já é um grande avanço - e nisso incluo paranoias, ciúmes, manias, o hábito de reclamar, o deixar-se enredar em pensamentos que não nos deixam avançar. Não sei se seria o suficiente para Alain Delon sofrer menos, talvez não. Mas acho que encarar a própria dor sem sucumbir cria o delicado limite entre a morte da alma e a poesia da vida - na forma, inclusive, de arte.